quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

José Régio



"Vem por aqui"- dizem-me alguns, com olhos doces,

estendendo-me os braços e seguros

de que seria bom que eu os ouvisse

quando me dizem: "vem por aqui"!

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há nos meus olhos ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

e nunca vou por ali...



A minha glória é esta:

Criar desumanidade!

Não acompanhar ninguém.

-Que eu vivo com o mesmo sem vontade

com que rasguei o ventre a minha Mãe.



Não, não vou por aí! Só vou por onde

me levam meus próprios passos...



Se ao que busco saber, nenhum de vós responde,

por que me repetis: "vem por aqui"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

redemoinhar aos ventos,

como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

a ir por aí...



Se vim ao mundo, foi

só para desflorar florestas virgens,

e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço, não vale nada.



Como, pois, sereis vós

que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

para eu derrubar os meus obstáculos?...

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

e vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

amo os abismos, as torrentes, os desertos...



Ide! Tendes estradas,

tendes jardins, tendes canteiros,

tendes pátrias, tendes tetos,

e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.

Eu tenho a minha loucura!

Levanto-a como um facho, a arder na noite escura.

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...



Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

mas eu, que nunca principio nem acabo,

nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.



Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou.

É uma onda que se alevantou.

É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou.

-Sei que não vou por aí!